A ciência avança por caminhos nem sempre muito nítidos. A manipulação da memória, por exemplo, é um método fascinante e, ao mesmo tempo, muito assustador. Imagine o que será lidar com implantes de memórias falsas.
A ciência conseguiu implantar uma memória falsa num rato através de mecanismos naturais. A seguir poderá ser o ser humano a receber estes testes.
Implantada memória artificial num rato
Inegavelmente, as notícias falsas mudaram o mundo como o conhecemos hoje. Dessa forma, a sociedade foi manipulada e em casos mais graves, os danos são irreversíveis. Segundo informações agora reveladas, um grupo de cientistas implantou com sucesso uma memória falsa num animal. Estará aberta a porta de usar o método nos seres humanos?
Os investigadores foram capazes de usar engenharia reversa de uma memória natural mapeando os circuitos cerebrais nos quais a memória era baseada num rato de laboratório.
Posteriormente, essa memória foi implantada artificialmente num outro rato. Para isso, usaram um método que estimulou as suas células cerebrais no padrão da memória original.
Pensamentos artificiais
O estudo, que foi descrito num artigo publicado na Nature Neuroscience, mostra que as memórias podem ser artificialmente criadas na ausência de qualquer experiência verdadeira. A memória implantada foi resgatada pelo animal de teste e não se distinguia de uma memória natural.
Contudo, este tipo de abordagem levanta vastas implicações éticas. Além disso, poderá criar um conflito, dado que nos poderão fazer questionar as nossas próprias memórias.
Embora seja amplamente conhecido que as nossas memórias não são confiáveis, esta nova investigação acrescenta uma nova dimensão à questão.
O nosso cérebro pode ser enganado com memórias falsas
De acordo com a Scientific American, as novas descobertas mostram que os circuitos cerebrais, que normalmente respondem às experiências e criam memórias, podem ser manipulados para formar memórias falsas.
A investigação também fornece dados sobre como as memórias são formadas no cérebro. Apesar de ser uma área sensível, as descobertas mostram haver um campo científico mais amplo e crescente que poderia levar à manipulação da memória, transferência de memórias e até mesmo levar ao apagar de memórias existentes.
Lembram-se do que acontecia no filme Men in Black?
Não é uma descoberta ou um feito que não tenhamos já visto na ficção. Contudo, os responsáveis afirmam que este avanço não tem como intuito o uso em cenário de ditadura ou em processos como foi mostrado no filme Men in Black.
Nesse sentido, os cientistas esperam que as suas descobertas acabem por ajudar as pessoas que lutam com problemas de memória ou pessoas que sofrem de memórias traumáticas.
Apesar de todas as implicações éticas, o método poderia ajudar a recuperar memórias antigas, perdidas para o tempo. Além disso, poderia ser a forma de apagar memórias debilitantes e prisioneiras.
Como funcionou a experiência?
Portanto, no estudo, foi criada uma memória natural nos ratos. Estes foram treinados para associar um odor específico (flores de cerejeira) com um choque nos pés.
Desse modo, os animais aprenderam a evitar esse choque elétrico caminhando noutra direção na sua gaiola que estava impregnada com um odor diferente (cominho).
O aroma a cominho foi infundido na área de teste com um químico chamado carvona. Já o aroma de flor de cerejeira vinha do químico acetofenona. Os investigadores usaram a acetofenona porque esta ativa um tipo específico de recetor num tipo discreto de célula nervosa sensorial olfativa.
Logo após, os cientistas então usaram a técnica optogenética para ativar as células nervosas olfativas nos ratos. Este método sofisticado permite ver as fibras óticas implantadas cirurgicamente a estimularem neurónios específicos no cérebro através de proteínas sensíveis à luz.
Nos primeiros testes, os investigadores usaram animais transgénicos que só produzem a proteína sensível à luz em nervos olfativos sensíveis à acetofenona.
Memórias “à la carte” que podem ser implantadas
Os especialistas então emparelharam a estimulação luminosa optogenética dos nervos olfativos sensíveis à acetofenona dos ratos com os choques elétricos do pé. Desta forma, foi descoberto que os ratos então evitavam o odor da flor de cerejeira quando só tinham a estimulação luminosa – isso sugeria que eles tinham experimentado o choque do pé quando não o tinham feito.
Este foi um passo impressionante: ele mostra que os ratos não precisavam realmente experimentar o odor para o ligar ao choque elétrico do pé. Essencialmente, esta memória poderia ser implantada.
No entanto, os cientistas deram um passo adiante para criar uma memória completamente artificial. Para criar uma memória verdadeiramente artificial, eles precisavam remover a experiência real (quando o rato leva um choque elétrico).
Usar um vírus como interruptor
No último estudo, os investigadores mostraram como usaram um vírus nos ratos transgénicos. Dessa forma, os ratos foram “infetados” com proteínas sensíveis à luz nas suas vias nervosas. Em seguida, os animais foram estimulados nos nervos olfativos e a parte sensível à luz do cérebro com o padrão de engenharia reversa.
Os animais recordaram a memória artificial, mostrando uma resposta a um odor que nunca tinham encontrado. Com essa memória, evitaram levar um choque que nunca tinham recebido.
Uma investigação ainda no início, mas com resultados assustadores
Claro que a investigação está nos seus primórdios. No entanto, os cientistas manipularam com sucesso as memórias dos animais de teste e fizeram-nos recordar algo que nunca experimentaram.
E agora, o que poderá vir a seguir?
Podemos dizer que ainda falta muito para esta tecnologia chegar ao ser humano. Mas por norma, como já vimos, muitas das experiências são feitas anos antes de ser dada conta ao mundo.
Assim, o que virá a seguir? Iremos ter uma base de dados de memórias nunca vividas, que podemos comprar? Iremos ter uma memória mecânica seletiva? Poderemos ser manipulados com memórias fabricadas por quem nos quer controlar?
As possibilidades são assustadoras.